quarta-feira, 13 de janeiro de 2010




"De braços cruzados sobre o peito, como para comprimir as batidas do coração,[...] ficou contemplando, cada vez mais subjugada, o céu ameaçador sobre a planície. A natureza contorcia-se a seu redor, curvada pelo vento devastador, gemendo e revelando-se, parecendo querer escapar á tempestade vinda do oceano. O céu escurecia pouco a pouco, revelando nuvens assustadoras.
Com os cabelos agitados pela ventania tal como serpentes de Górgona, [...] imóvel, contemplava os elementos cujo desencadear lhe aplacava a própria agitação íntima. Sentia no corpo o frêmito da terra, que sob as primeiras gotas de chuva liberava aromas penetrantes que subiam à cabeça, produzindo uma embriaguez maior que a do vinho mais sutil. O vestido grudado, rapidamente encharcado, sublinhava-lhe o bico dos seios. A natureza em fúria fazia-a sair de si própria. Rasgou as nuvens um relâmpago azulado, seguido quase de imediato pelo trovão que abalou o solo. [...] gritou. Iluminava-lhe o rosto um contentamento primitivo, rosto sobre o qual, como se fossem lágrimas, escorriam gotas de chuva. Avassalou-se um riso brutal e libertador, que fez coro com o ribombo trovão. E o riso se transformou em grito, um grito de triunfo e de pura alegria de viver. Deixou-se então cair na terra do caminho, transformado em lodaçal pela chuva. Os lábios tocaram a lama ainda tépido de sol e mergulharam na pasta amolecida. A língua lambeu o barro, cujo sabor parecia conter todos os eflúvios de [...]. Nesse instante,[...] desejou que o solo se rasgasse e tornasse a fechar sobre seu corpo, digerindo-o, absorvendo-o, fazendo a carne reviver nas vinhas, nas flores, nas árvores da terra que amava. Depois rolou sobre si mesma, oferecendo o rosto sujo à água que caía do céu."

Trecho do Livro A Bicicleta Azul de Régine Deforges ( P.62-63)

Ao som de Capital Inicial - Leve Desespero

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